Eu nunca tive o menor interesse pela política. Na escola, como a maioria dos brasileiros, fui doutrinado a ser de esquerda. Os livros e professores eram todos esquerdistas, e assim aprendi. Sempre pensei, portanto, ser de esquerda, embora nunca tenha elaborado nenhum pensamento crítico a respeito por puro desinteresse. Aprendi o quanto o capitalismo é opressor, e como o comunismo é lindo e ideal, mas difícil de se alcançar, porque a poderosa e malvada burguesia não deixa. Mas para falar a verdade, os ensinamentos da escola nunca fizeram muito sentido.
Quando esse professor específico (que foi meu professor de
história na oitava série e no segundo ano) queria falar sobre socialismo e
comunismo, ele usava sempre um mesmo exemplo: “se você tem duas bicicletas e
seu colega não tem nenhuma, eles
tomam uma das suas bicicletas e dão a quem não tem nenhuma”. Eu ficava
indignado. – Como assim eles tomam
uma das minhas bicicletas? Isso é roubo! Eles
não podem fazer isso! Se eu comprei duas bicicletas, é porque eu preciso de
duas bicicletas! Eu trabalhei e conquistei com meu suor o direito de ter duas
bicicletas, e eles vem criminosamente
me roubar uma? Isso é um absurdo! – O que eu não entendo até hoje é que esse
professor dava sempre esse mesmo exemplo e o vendia como algo positivo. Como
isso pode ser positivo? Tudo bem que seja louvável o ato de doar uma bicicleta
a uma pessoa que não tenha nenhuma, mas certamente haverá outro meio de
praticar essa boa ação sem precisar roubar um cidadão de bem que não tem nada a
ver com isso.
Embora esses questionamentos se levantassem, eu pouco me
interessava pelo assunto. Tinha mais o que fazer. Tinha coisas mais
interessantes a pensar e me preocupar. Queria somente aprender o que estavam
ensinando, responder corretamente nas provas e passar por média. Enquanto
ninguém viesse roubar minhas bicicletas,
estava tudo bem.
Cresci, me formei, comecei a trabalhar, casei, e meu
interesse por assuntos políticos continuava zerado. Sabia que estava sendo
roubado pela corrupção da classe política, mas preferia não pensar no assunto,
pois pensar causa revolta, que aliada a sensação de impotência, geram tristeza.
E isso não faz bem à saúde mental. Então buscava seguir minha vida fazendo
minha parte, estudando e trabalhando nas minhas áreas de interesse.
Lula chegou à presidência (com meu voto), e tudo parecia
maravilhoso. Brasil no auge, economia lá em cima, as coisas melhorando. Realmente a esquerda estava certa. Em seguida,
assumiu a Dilma (com meu voto), mas seu primeiro mandato foi um desastre.
Percebi que ela era desinteligente demais para um cargo daquela importância, e
concluí que, por culpa dela e de sua incompetência, o Brasil havia decaído. Não
por culpa do pensamento esquerdista em si, pois com Lula, tudo havia dado
certo. Para o segundo mandato, não me senti seguro para votar nela. Não podia
votar numa pessoa que já havia provado que não tinha a menor capacidade para
dirigir o país. O problema é que o outro candidato era o Aécio. Dispensa
comentários. Mas eu havia passado no concurso público para Delegado de Polícia
em outro estado, não havia transferido meu título, e trabalhei nos dias das
eleições, então apenas justifiquei meu voto, sem peso na consciência. Não havia
nenhum candidato sério que merecesse meu voto.
Aconteceu que logo após, veio uma queda vertical
desenfreada. Estupidez atrás de estupidez, escândalo atrás de escândalo, e o
Brasil chegou ao fundo do poço. A festa da roubalheira estava latente, me
chamando de palhaço. Não dava mais para ignorar o assunto, cheguei ao limite da
minha paciência. Eu queria agora descobrir, afinal, o que é que estava
acontecendo.
Passei a ler e me interessar. Não sou ainda nenhuma
autoridade para explicar aos leitores a situação política e econômica do
Brasil, e nem é esse o objetivo deste artigo, mas aprendi o suficiente para
descobrir que eu não sou de esquerda. Descobri que fui enganado a vida toda, e
que aprendi tudo errado. Parcela dessa culpa é minha, pois nunca havia tido
interesse em pesquisar para gerar um pensamento crítico e produzir minha
própria opinião. Acreditar no que diziam era mais fácil. Eu só não esperava que
a esquerda usasse um golpe tão baixo para tal. Mentir descaradamente,
repetidamente, insistentemente até aquilo se tornar verdade, para manipular a
opinião das massas, da manada, daqueles que não pensam (como eu mesmo não
pensava). Doutrinando desde criancinhas, para que cresçam sem cérebro. Minha
sorte é que desenvolvi meu pensamento crítico em outras áreas, e pude importar
para gerar e desenvolver meu próprio entendimento político, embora tardiamente.
Descobri que sou de direita. Sempre fui, e não sabia.
Mas há uma forma de o socialismo dar certo.
Há muito sou um independente estudioso das escrituras
sagradas do cristianismo, cuja divindade me fascina profundamente. Mas não se
preocupe, este não é um texto religioso. O que venho dizer é que o livro de
Atos dos Apóstolos, de provável autoria do evangelista Lucas (ou São Lucas),
descreve o nascimento e desenvolvimento de uma comunidade de caráter claramente
socialista, que funcionou muito bem, ao menos, temporariamente.
O primeiro capítulo do livro conta, que após a ressurreição
de Jesus, pouco antes de ascender aos céus, ele estava reunido com os
discípulos em Jerusalém quando lhes determinou que não saíssem da cidade até
que, dentro de poucos dias, o próprio Deus os
batizasse com o Espírito Santo, e que, após isso, deveriam sair por todo o
mundo e dar testemunho de tudo o que viram e aprenderam dele. Tal fato
considera-se ocorrido no chamado dia de
pentecostes (quinquagésimo dia após o sábado da semana da páscoa, também
chamado de festa da colheita), mas ao contrário da recomendação, todos
permaneceram em Jerusalém, onde formaram uma comunidade cristã hoje conhecida
como igreja primitiva.
Eles se dedicavam ao
ensino dos apóstolos e à comunhão, ao partir do pão e às orações. Todos estavam
cheios de temor, e muitas maravilhas e sinais eram feitos pelos apóstolos.
Todos os que criam mantinham-se unidos e tinham tudo em comum. Vendendo suas
propriedades e bens, distribuíam a cada um conforme a sua necessidade. Todos os
dias, continuavam a reunir-se no pátio do templo. Partiam o pão em suas casas,
e juntos participavam das refeições, com alegria e sinceridade de coração,
louvando a Deus e tendo a simpatia de todo o povo. E o Senhor lhes acrescentava
todos os dias os que iam sendo salvos. (Atos 2:42-47)
Da multidão dos que
creram, uma era a mente e um o coração. Ninguém considerava unicamente sua
coisa alguma que possuísse, mas compartilhavam tudo o que tinham. Com grande
poder os apóstolos continuavam a testemunhar da ressurreição do Senhor Jesus, e
grandiosa graça estava sobre todos eles. Não havia pessoas necessitadas entre
eles, pois os que possuíam terras ou casas as vendiam, traziam o dinheiro da
venda e o colocavam aos pés dos apóstolos, que o distribuíam segundo a
necessidade de cada um. (Atos 4:32-35)
Estamos falando de pessoas que foram testemunhas oculares
dos eventos que envolvem a vida e obra de Jesus, e alguns que com ele
conviveram diariamente, e dele receberam diretamente seu conhecimento e ensino,
aprendendo seus princípios e valores. Em suma, o ensino desse homem fantástico
se fundamenta no amor ao próximo, em concentrar suas preocupações na prática do
bem, priorizando suprir as necessidades dos necessitados, adquirindo assim riquezas
imateriais, preferíveis sobre as riquezas materiais, que ficam em segundo
plano.
O que a igreja primitiva fez, portanto, foi aplicar ao
convívio social os princípios altruístas que aprenderam de seu Mestre. Acontece
que a ordem não era essa. Jesus não disse que permanecessem em Jerusalém e
fundassem uma comunidade socialista ou comunista. Ele disse que ficassem em
Jerusalém somente até o batismo do Espírito Santo, e que após isso, se
espalhassem pelo mundo anunciando e ensinando aqueles princípios. Como a
dispersão não acontecia por bem, ela ocorreu por mal. A igreja em Jerusalém
começou a sofrer violenta perseguição, forçando seus membros a se dispersarem
por outras regiões, anunciando sua fé por onde passavam, dissolvendo aquela
comunidade.
Assim, temos um exemplo de uma comunidade socialista, ou
até comunista, que funcionou muito bem, embora por pouco tempo. E dela podemos
extrair algumas considerações.
Observe que os ensinamentos de Cristo nunca foram
direcionados à aplicação coletiva. Eram direcionados a aplicação individual.
Ele ensinava que você, como indivíduo, para elevar-se espiritualmente, e
ascender a uma condição de filho de Deus, deve arrepender-se de seus maus
caminhos, e de suas más ações, converter-se a um caminho do bem, de praticar
boas ações ao seu próximo, suprir as necessidades do necessitado, alimentar o
faminto, dar de beber ao sedento, cuidar dos pobres e das viúvas, ainda que em
detrimento de seus bens materiais, que nenhum valor têm, frente aos valores
imateriais e espirituais que se adquire pela prática do amor e da caridade. Não
importa se as pessoas a sua volta sejam perversas ou se você vive numa
sociedade totalmente corrupta e má, desde que você, individualmente, não se
corrompa, e siga plenamente aqueles ensinamentos. Não cabe a você impor esse
modo de vida benevolente a ninguém, se seu próximo é materialista e mau, e
assim quer permanecer, é uma escolha e um direito dele. A pregação não era
sobre a salvação da sociedade nem do Estado, mas do indivíduo.
O que aconteceu com a igreja primitiva foi que milhares de
indivíduos recém impactados com a grandeza desses ensinamentos, converteram-se
de seus maus caminhos, e passaram a buscar viver seguindo os princípios do amor
e da caridade, em comunhão uns com os outros, aplicando VOLUNTARIAMENTE esses
valores uns aos outros em sociedade, formando, inconscientemente, e
temporariamente, uma sociedade comunista ideal.
De maneira levianamente oposta, o pensamento esquerdista
atual luta para impor esse sistema fundado na força e na opressão. Não pode
prosperar um sistema que arranca a propriedade de quem a possui legitimamente,
contra a sua vontade, distribui pequena parte dessa riqueza a quem nada fez
para ganhar, e entrega grande parte para alimentar o Estado para que se mantenha
forte o bastante para ser capaz de arrancar os bens de quem quiser sem que
ninguém possa se opor. Pune-se e expropria-se de seus bens aquele que produz riqueza,
premia-se quem produz pouco ou nada. Quem produz, desestimula-se e deixa de
produzir. Quem não produz, mantém-se improdutivo. Se a produção diminui, a
opressão aumenta. Para que ninguém se oponha, desarma-se e deseduca-se a
população, e a doutrina com mentiras desde a infância, para que cresça sem a
capacidade de pensar e questionar, acreditando em toda mentira que lhes contam.
Para não ter acesso à verdade, restringe-se a liberdade de imprensa,
comunicação, locomoção. Muros são construídos. A qualidade de vida despenca, o
dinheiro acaba, a mortalidade aumenta, a fome chega, o desespero bate. Um caos.
Deus livre o Brasil desse inferno.
Para que o socialismo tenha chance de funcionar, ele
precisa ser fundamentado, antes de tudo, na voluntariedade e no amor. Não na força,
na opressão, na desinformação, no medo. Na igreja primitiva, as pessoas
entregavam voluntariamente tudo o que tinham ao poder central, os apóstolos,
homens bons e honestos, que distribuíam igualmente a todos, conforme suas
necessidades. Ainda assim, não é provável que se sustentasse por muito tempo. É
um sistema ideal, e precisa de condições ideais para se manter. Seria
necessário que todos se mantivessem constantemente em unidade de pensamento, em
amor, bondade, caridade, altruísmo, e total desprendimento dos bens materiais.
E isso não é uma condição normal entre os seres humanos, falhos, instáveis,
corruptíveis. Em algum momento algo daria errado. O próprio livro de Atos dos
Apóstolos relata o momento em que isso aconteceu.
Um homem chamado Ananias,
juntamente com Safira, sua mulher, também vendeu uma propriedade. Ele reteve
parte do dinheiro para si, sabendo disso também sua mulher; e o restante levou
e colocou aos pés dos apóstolos. Então perguntou Pedro: "Ananias, como
você permitiu que Satanás enchesse o seu coração, a ponto de você mentir ao
Espírito Santo e guardar para si uma parte do dinheiro que recebeu pela
propriedade? Ela não lhe pertencia? E, depois de vendida, o dinheiro não estava
em seu poder? O que o levou a pensar em fazer tal coisa? Você não mentiu aos
homens, mas sim a Deus". Ouvindo isso, Ananias caiu e morreu. Grande temor
apoderou-se de todos os que ouviram o que tinha acontecido. Então os moços
vieram, envolveram seu corpo, levaram-no para fora e o sepultaram. Cerca de três
horas mais tarde, entrou sua mulher, sem saber o que havia acontecido. Pedro
lhe perguntou: "Diga-me, foi esse o preço que vocês conseguiram pela
propriedade? " Respondeu ela: "Sim, foi esse mesmo". Pedro lhe
disse: "Por que vocês entraram em acordo para tentar o Espírito do Senhor?
Veja! Estão à porta os pés dos que sepultaram seu marido, e eles a levarão
também". Naquele mesmo instante, ela caiu aos pés dele e morreu. Então os
moços entraram e, encontrando-a morta, levaram-na e a sepultaram ao lado de seu
marido. E grande temor apoderou-se de toda a igreja e de todos os que ouviram
falar desses acontecimentos. (Atos 5:1-11)
Duas interpretações eu retiro desse trecho Bíblico. Uma que
representa a opinião de um cristão, e uma que representa a opinião de um ateu. Mas
em ambas eu chego à mesma conclusão.
Um ateu poderia imaginar que em nada difere esse comunismo
cristão de qualquer outro existente. Abstraindo-se da religiosidade do relato,
poderia entender que o próprio Apóstolo Pedro, líder da comunidade, em quem se
centralizava o poder, arbitrariamente executou o transgressor e sua esposa,
pelo simples fato de haverem discordado, em parte, do sistema, e tentado reter
para si, pelo menos um pouco do que lhes pertencia antes de entrar no grupo.
Com a diferença que a adesão ao grupo era voluntária, e nada os impedia de sair
antes de vender qualquer coisa e manter suas posses em sua integralidade. Mas
Ananias optou por permanecer no grupo, aderir a suas práticas, mas sonegar em
parte, violando seus costumes, desrespeitando seus participantes e seus
líderes, e sendo punido com a morte.
Um cristão compreenderia o relato aceitando a sua
religiosidade integralmente. Conforme o grupo aumentava, era inevitável que se
agregassem indivíduos não compatíveis, não convertidos. Ou até alguém,
compatível e convertido, que atravessasse um momento de instabilidade emocional
ou espiritual, que o levasse a uma conduta corrompida. Numa comunidade de cunho
religioso, seus integrantes creem e aceitam que estão submissos a um poder
divino, a quem respondem e prestam contas. Ananias declarou perante Deus uma
mentira, e a sustentou perante a igreja, desrespeitando e insultando à própria
divindade. Pedro, homem de grande poder, por meio de quem Deus já havia
realizado incontáveis prodígios e maravilhas, reconhecido por ser um homem
ríspido e impetuoso, ficou inconformado com tamanho sacrilégio, findando na
morte súbita do transgressor e de sua esposa, diante de todos.
Quando as pessoas começam a morrer sumariamente por
contrariar ou as regras de uma sociedade, levanta-se a questão de aquele modelo
ser ou não sustentável. Felizmente, o próprio Deus cuidou de dissipar aquela
comunidade cristã comunista, antes que piores exemplos acontecessem,
enviando-os por todo o mundo para fazer o que foram chamados para fazer. Serem
testemunhas de Cristo, em Jerusalém, em toda a Judéia e Samaria, e até os
confins da terra.
Se mesmo entre homens santos o resultado não foi perfeito,
imagine entre nós. É possível o socialismo dar certo. Mas não é neste mundo.
Leonardo Mendonça
Leonardo Mendonça